Explosão mata GNR
Nunca ninguém se preocupou com isto. Há centenas de bombas espalhadas pelo País e a tragédia que ocorreu em Tavira só veio chamar a atenção para um problema que deve merecer a devida atenção dos nossos governantes.” O alerta é feito por Manuel da Luz, presidente da Câmara de Portimão, concelho onde foi apreendida a pólvora cuja deflagração acidental, anteontem, matou um militar da GNR especializado, há mais de dez anos, na inactivação de engenhos explosivos
O sinistro, ocorrido na carreira de tiro em São Marcos, Tavira, tem contornos ainda pouco esclarecidos. Ninguém coloca em causa, para já, a tese de acidente – embora esteja a decorrer, desde ontem, um inquérito ao sucedido –, mas há dúvidas sobre se os militares estariam devidamente equipados para resistirem a um eventual rebentamento do material em causa: pólvora composta, entre outras substâncias, por cloretos.
Segundo o CM apurou, os cloretos, nomeadamente de mercúrio e de alumínio, foram proibidos pela legislação, mas existem em todo o País. Segundo um responsável do Departamento de Armas e Explosivos da PSP, ainda há vários depósitos ilegais de pólvora contendo aquela substância.
“É impossível saber onde é que este tipo de material está armazenado, a não ser que exista uma denúncia, que foi o que aconteceu em Alvor (localidade onde a pólvora foi encontrada, em pleno coração da vila – ler caixa). Nós fiscalizamos as fábricas devidamente legalizadas. Mas há pirotécnicos ilegais a operar em festas populares, que se realizam em todo o País, e cujo controlo, quer por falta de meios, quer por falta de conhecimento das autoridades, leva a que acabem por guardar em suas casas verdadeiras bombas”, explicou a mesma fonte policial.
E terá sido por desconhecimento da composição da pólvora que o acidente em Tavira ocorreu. Os três militares que iriam proceder à destruição do material envergavam fatos antifogo – como é normal, uma vez que a pólvora é destruída por combustão e não por detonação – em vez dos factos antibomba. Porém, por se tratar de um material altamente instável e reagir a uma simples alteração da temperatura, ou humidade, a tragédia aconteceu, tendo falecido um primeiro sargento e ficado gravemente feridos um cabo e um soldado. Um motorista e um elemento reformado da GNR, que fazia a segurança da carreira de tiro de S. Marcos, sofreram lesões ligeiras. Os dois feridos graves estão hospitalizados em Lisboa, nas unidades de queimados em S. José e Santa Maria. Têm queimaduras em cerca de 50% do corpo e esfacelamento nas falanges. Já foram submetidos a operações ortopédicas e plásticas.
A denúncia da existência dos explosivos na casa de Alvor – localizada na Rua 25 de Abril –, utilizados para fins pirotécnicos, foi efectuada terça-feira por um neto do suposto dono daquele material, de nome Manuel Teixeira, já falecido.
O Tribunal de Portimão terá levado um dia a autorizar a GNR a destruir a pólvora, ou seja, na quarta-feira. Segundo vários peritos em explosivos ouvidos pelo CM, deveria ter sido destruída três horas após a remoção. A operação só foi executada anteontem, resultando na dramática explosão.
O PERIGO ALI TÃO PERTO
Os explosivos que vitimaram o sargento da GNR e feriram quatro praças estiveram armazenados mais de uma década no anexo de uma casa em Alvor, situada nas traseiras da Junta de Freguesia e paredes meias com uma habitação e um café, em plena zona antiga da vila, densamente povoada.
Tratava-se de material pirotécnico pertencente a Manuel Teixeira, um antigo motorista marítimo, falecido há dez anos e que se dedicava também a lançar fogo-de-artifício.
A viúva, Marília Teixeira, disse ao CM “não saber que aquilo estava ali”. “Foi o meu neto que encontrou os canudos e espigões de foguetes quando andou a limpar a arrecadação e chamou a GNR”, esclareceu a idosa, que minimizou os perigos da situação: “Se houvesse azar já tinha havido”, disse.
A remoção dos explosivos foi efectuada na manhã de terça-feira, pela GNR, com o apoio dos Bombeiros de Portimão, que, por precaução, arrefeceram com água a cobertura de zinco do anexo. A GNR fechou a rua e mandou retirar as viaturas estacionadas na zona mas não considerou necessário evacuar os moradores. Alarmada com o “perigo que tinha ali tão perto”, uma vizinha referiu ao CM que a GNR “demorou três horas a tirar os explosivos”. “O sargento disse-nos depois que já podíamos dormir descansados e afinal ele é que morreu”, recordou.
"OPERAÇÕES COM ELEVADOS RISCOS"
“Estas operações têm riscos bastante elevados, uma vez que estamos a falar de material de pirotecnia, pólvora, que é um explosivo bastante sensível”, admitiu ontem o chefe do Centro de Inactivação de Engenhos Explosivos da GNR, capitão Hélder Barros, acrescentando que os militares não conheciam a composição exacta da pólvora: “Não era previsível que existissem ali substâncias como os cloretos”. Os três militares da equipa de Faro preparavam-se para detonar uma parte dos explosivos quando a tragédia aconteceu. Vestiam fatos com protecção antifogo e não os fatos antibomba, usados apenas para inactivação de explosivos. “Este trabalho acontece com muita frequência e, dada a experiência do pessoal, normalmente não está uma ambulância no local”, esclareceu Hélder Barros, não relacionando o acidente com uma falha dos militares.
ORGULHOSO POR PERTENCER À GNR
João Fernando Rosado Maroco fez 39 anos no dia 19 de Junho. Era casado e tinha duas filhas com sete e 10 anos. Natural de Marvão, vivia no Algarve desde que, no início dos anos 90, começou a trabalhar no posto de Quarteira. Actualmente, o 1.º Sargento liderava a equipa de Inactivação de Engenhos Explosivos do Grupo de Faro da GNR. “Ele sabia que o risco fazia parte da sua profissão, costumava comentar que era necessário ter cuidado”, disse ao CM o tio de João Maroco, Manuel Pincareto, dono de uma pastelaria em Quarteira. Descreve o militar como um homem que “sentia orgulho em pertencer à GNR”.
SAIBA MAIS
40
Quilos é o total de pólvora apreendida em Alvor para destruição em Tavira. Dez quilos deflagraram acidentalmente. Cinco quilos tinham sido destruídos antes. Ontem de manhã foram destruídos os restantes 25.
39
É o número de equipas de inactivação de explosivos da GNR existentes em 13 concelhos no País. A Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda considera que o número ideal seria 250.
15
Anos tinha a pólvora apreendida. Estava armazenada em condições deficientes num anexo no centro de Alvor há mais de 10 anos.
ESTACIONÁRIO
O estado de saúde dos dois militares gravemente feridos na explosão ocorrida na carreira de tiro de Tavira era, ao final do dia de ontem, estacionário, não correndo risco de perder a vida.
APREENSÕES
As autoridades já apreenderam este ano mais de uma tonelada de explosivos, a maioria relacionada com actividades pirotécnicas. A maioria por mau acondicionamento.
PROIBIDO
Devido aos inúmeros acidentes que se registavam um pouco por todo o País, ferindo sobretudo crianças, o Governo resolveu, há cerca de dez anos, proibir a venda de bombas de diversão, material que era comercializado essencialmente no Carnaval.
‘ÁRVORES DE FOGO’
A pólvora apreendida na casa de Alvor era utilizada para as denominadas ‘árvores de fogo’, mais conhecido por ‘fogo preso’ e também para o fabrico de foguetes.
INACTIVAÇÃO
Tanto a PSP como a GNR dispõem de equipas de inactivação de engenhos explosivos. A realização do Euro’2004 no nosso país permitiu reforçar os meios humanos e materiais destas equipas, devido ao temor de ocorrerem eventuais acções terroristas.
FUNERAL HOJE EM QUARTEIRA
O funeral de João Maroco realiza-se hoje às 10h45 no cemitério de Quarteira, celebrado pelo capelão do Grupo de Faro da GNR
IGUAL A ESPANHA
As equipas da GNR procedem, anualmente, a uma média de inactivação de 150 engenhos explosivos. O mesmo que em Espanha
PROTECÇÃO CIVIL AVERIGUA
A pedido da câmara, a Protecção Civil está a averiguar se existem mais casos de explosivos armazenados ilegalmente no concelho
http://www.correiodamanha.pt/noticia.asp?idCanal=0&id=250913